Medida publicada no fim do mandato Bolsonaro liberou a exploração de madeira em terras indígenas, inclusive por não indígenas. — (Foto: AP Photo/Leo Correa, File) |
A reportagem havia adiantado que essa
era a intenção da pasta, que tinha pressa porque a autorização
entrava em vigor nesta segunda. A revogação foi feita pela Funai,
subordinada ao ministério, e será publicada na edição de
terça-feira (17) no "Diário Oficial da União".
Publicada em dezembro do ano
passado, no apagar das luzes do governo anterior, a instrução
normativa previa o chamado manejo
florestal sustentável em
territórios demarcardos, que, em tese, deveriam ser protegidos. A
mudança na regra havia sido duramente criticada por entidades
ambientais.
Entenda a polêmica:
A medida permitia
a exploração de madeira em terras indígenas, inclusive por
organizações de composição mista, ou seja, entidades com a
participação de não indígenas.
Alvo de invasores e
garimpeiros, as terras indígenas estão entre os principais
redutos de conservação ambiental no país.
Com as regras - agora revogadas - e as lacunas na fiscalização,
especialistas temiam que a medida facilitasse a exploração
criminosa.
Além disso, entidades
ambientais argumentavam que a medida feria
a Constituição Federal,
que veda a exploração de madeira nesses territórios.
Funai, Ibama e
ministérios
Antes de a ministra
comunicar a revogação, a Fundação Nacional do Índio (Funai),
rebatizada de Fundação Nacional dos Povos Indígenas, havia dito
que já estava em contato com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para "determinar
providências" a respeito da instrução normativa.
Na nova composição
ministerial do governo Lula, a fundação passou a fazer parte da
estrutura do até então inédito Ministério dos Povos Indígenas.
"Cabe destacar que a
Instrução Normativa não foi objeto de consulta aos povos indígenas
como previsto nos dispositivos legais existentes, logo, é natural
que tenha seus efeitos suspensos até uma análise mais aprofundada e
seja objeto de consulta", Nota da Funai.
A reportagem também
tinha procurado o Ibama, que é vinculado ao Ministério do Meio
Ambiente, e o próprio ministério.
Sob Bolsonaro, que sempre defendeu a
exploração de terras indígenas, a Funai havia justificado que
a instrução era uma "reivindicação antiga de diversas
etnias" que resultaria "em mais autonomia para os
indígenas", ampliando a "geração de renda nas aldeias de
forma sustentável".
A medida tinha sido assinada
conjuntamente pelos então presidentes do Ibama, Eduardo Bim, e da
Funai, Marcelo Augusto Xavier.
O que
dizia a medida:
Os planos de exploração
poderiam ser apresentados por cooperativas
integradas pelos próprios indígenas ou organizações
de composição mista (a
participação de não indígenas tinha que ser inferior a 50%).
O grupo interessado em fazer a
exploração teria
que pedir autorização e,
para isso, precisaria apresentar um documento técnico avaliando os
impactos cultural e econômico nas comunidades que vivem na terra
indígena.
Para embasar o plano, deveria
ser feito um relatório
de viabilidade socioeconômica,
que teria que, primeiro, ser submetido à comunidade indígena para
consulta. Se aprovado, o relatório teria que ser enviado à Funai.
Também seria preciso
demonstrar a viabilidade
ambiental.
O plano final dependeria do aval do
Ibama.
O texto previa ainda o manejo
em três biomas brasileiros: amazônico, caatinga e cerrado.
A quantidade de madeira a ser
extraída deveria seguir critérios
específicos já existentes para
cada um desses biomas (em áreas fora de terras indígenas) e que
levam em conta, por exemplo, a necessidade de uso de máquinas para
o arraste de toras e o ciclo de corte das árvores.
Críticas:
margem para mais destruição
Na época da
publicação, a instrução normativa foi duramente criticada
por entidades ambientais. De acordo com Juliana de Paula Batista,
advogada do Instituto Socioambiental (ISA), o documento abria
margem para sérios impactos ambientais e o aumento do desmatamento
em terras indígenas.
"Isso representa um
flagrante tentativa de burlar a Constituição Federal e o Estatuto
do Índio, que estabelecem que os recursos dos rios, lagos e solos
pertencem exclusivamente aos povos indígenas", Juliana Batista,
advogada do ISO, em entrevista em 16 de dezembro.
O que
diz a Constituição: De
acordo com o artigo 231 da Constituição, "as terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do
solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".
O que
diz o Estatuto do Índio: Também
citado por Batista, o estatuto traz em seu artigo 18 a proibição
da "prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de
atividade agropecuária ou extrativa" em terras indígenas por
pessoas não indígenas.
Para a Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (Apib):
a instrução normativa
violava preceitos constitucionais;
era uma resposta do governo Bolsonaro
à demanda dos madeireiros;
povos que residem nos territórios
afetados deveriam ter sido consultados;
"No contexto
geral, os ataques aos territórios indígenas estão diretamente
ligados a medidas do Poder Executivo, que ao fim do mandato, edita
normas que favorecem e incentivam a exploração e a apropriação
privada de terras indígenas por parte de não indígenas, dando a
invasores confiança para avançarem em suas ações ilegais dentro
dos territórios", afirmou a Apib em nota na época.
Ibama e
Funai sob novo comando
No
último sábado (14), o deputado federal Rodrigo
Agostinho foi
indicado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para a
presidência do Ibama.
Além
de ex-prefeito de Bauru, no interior de São Paulo, Agostinho é
biólogo, advogado e ambientalista, membro titular do Conselho
Nacional do Meio Ambiente por dez anos.
Já
a nova presidente da Funai é Joênia
Wapichana, a
primeira mulher indígena a assumir o cargo. Primeira indígena
eleita na história na Câmara dos Deputados, ela havia sido
anunciada pelo presidente Lula como chefe da fundação ainda no
final do ano passado. (G1)