Entenda o que é trabalho análogo à escravidão

A escravidão apresenta um problema estrutural e cultural que ainda acontece nos dias de hoje.
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Voz da Terra
11 julho 2024
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Trabalho análogo à escravidão (Foto: Carta Capital)


A escravidão é um tema muito pertinente, tanto pela sua memória no Brasil, iniciado no século XVI, quanto pelo cenário que ainda assola a realidade de algumas pessoas no país.

A condição da falta de liberdade insere o indivíduo em um processo rotineiro de atividades, obrigando-o a viver sem qualquer possibilidade de mudança. Esta vivência está relacionada a diversos temas essenciais para a construção da dignidade humana e a manutenção dos direitos humanos.

A analogia sobre este tema, criada em cima de um trabalho, é mais comum do que se pensa. 

E você, já ouviu falar sobre o trabalho análogo à escravidão?

A escravidão no mundo

No mundo, a prática de proibir a liberdade do indivíduo vem de muitos anos. Tanto na civilização do Egito Antigo e Império Romano, a escravidão era uma prática comum.

O indivíduo no Egito – iniciado em 3200 a.C., e em Roma em 27 a.C. – tornava-se escravo por motivos como: ser prisioneiro de guerra, ter dívidas acumuladas, ou ter cometido um crime, e até mesmo por pertencer a povos inimigos e ser considerado inferior, já que poderia ter perdido uma batalha, ter sido capturado e preso.

Os serviços que eles eram obrigados a fazer se dividiam em escravidão doméstica, como trabalho braçal em plantações, pecuária, mineração e caça, até a escravidão mercantil, servindo como mercadoria.

No Brasil dos indígenas

No território brasileiro não foi muito diferente. A escravidão existiu e na atualidade repetem-se casos que veem a tona noticiados pela imprensa com características análogas a escravidão, casos que foram marcantes e são relembrados até hoje como exemplos.

Durante as primeiras décadas dos anos de 1500, logo após o descobrimento do Brasil e durante o processo de colonização portuguesa, o país presenciou os primeiros casos de escravidão.

A partir da implantação das capitanias hereditárias, os portugueses focaram no incentivo do cultivo de cana-de-açúcar e no desenvolvimento de engenhos para o beneficiamento da matéria prima. E como o trabalho exigia uma mão de obra mais complexa, eles usaram a escravização como recurso.

Os indígenas, já residentes no território foram os primeiros a terem suas liberdades retiradas. O trabalho pesado necessitava de várias pessoas para poder girar moinhos, plantar e colher, e foi escravizando os indígenas que os portugueses dominaram este trabalho.

A economia açucareira teve altos índices graças a esse trabalho forçado dos indígenas, mas um pouco mais para frente na história houve outro povo que sofreu por este tipo de trabalho análogo.

Como vimos, existem algumas características marcantes que são relembradas até hoje como exemplos. A escravidão existiu e em alguns momentos da atualidade, repetem-se casos que veem a tona, quando são noticiados pela imprensa.

No Brasil africano

Com o crescimento da colonização portuguesa no território brasileiro, a demanda por trabalho aumentava cada vez mais e era necessário utilizar outro tipo de estratégia para suprimir a demanda necessária.

O caminho tomado foi utilizar as feitorias instaladas na costa africana desde o século XV. Como a relação da coroa portuguesa com os reinos africanos era boa e com a crescente da colonização, a compra de escravos africanos foi utilizada para agregar ao mercado escravista no território brasileiro.

O tráfico negreiro foi extremamente lucrativo para as duas partes. Beneficiando tanto os traficantes na África, como os portugueses donos de engenhos no Brasil. Ao todo, durante os 300 anos de existência, quase cinco milhões de africanos vieram para o Brasil para serem usados no trabalho escravo.

Foi neste período que as violências e abusos por parte das autoridades coloniais aumentaram. Marcando a vida de dezenas de gerações de origem africana.

A jornada de trabalho atingia 20 horas diárias, os acidentes com o maquinário de moer cana sempre eram recorrentes, além das fornalhas e caldeiras onde as queimaduras e o trabalho mais pesado estava presente.

Estes locais eram onde as pessoas escravizadas que tentavam fugir ficavam como forma de punição. Vários deles tiveram seus membros amputados devido aos acidentes e muitos deles passaram pelas torturas nas mãos de seus senhores.

Cada engenho contava com uma média de 100 pessoas escravizadas. Elas dormiam nas senzalas, direto no chão. A alimentação era precária e eles viviam em condições de trabalhos que não suportavam. Alguns estavam acorrentados.

O fim tardio

Após séculos de escravidão, o Brasil aboliu essa prática de exploração de trato apenas em 1888. A Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel, foi resultado de uma grande insistência por aqueles que não concordavam com esse tipo de trabalho.

A abolição no Brasil foi muito comemorada e aceita por vários setores da sociedade, apesar do país ter sido o último no continente americano a cessar essa prática. Formaram-se associações, conferências e eventos públicos para que fosse discutido o tema e sua grande relevância.

Além disso, as diversas revoltas realizadas pela população negra, foi responsável pelo desgaste do sistema escravista, o que contribuiu para o fim do regime.

Os agora ex-escravizados, tiveram grandes dificuldades para se reinserir na sociedade. Criaram seus quilombos, suas comunidades em vilas e bairros, e reiniciaram suas vidas da forma que foi possível.

O que é o trabalho análogo à escravidão

Até aqui o texto retrata um pequeno pedaço da história e da formação do povo brasileiro. Agora iremos abordar a sua atualidade e como a Lei define o trabalho análogo à escravidão.

A legislação brasileira define o trabalho análogo à escravidão toda atividade forçada desenvolvida sob condições degradantes ou em jornadas exaustivas e quando a pessoa é impedida de deixar o seu local de trabalho.

De acordo com a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), o trabalho exaustivo é todo aquele que pela intensidade, frequência ou desgaste, cause prejuízos físicos e/ou psicológicos ao trabalhador, que sendo vulnerável, tem sua vontade e dignidade anulada.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) junto da Walk Free e da Organização Internacional para as Migrações, divulgou um relatório em setembro de 2022 com números do mundo todo em 2021. Cerca de 28 milhões de pessoas foram vítimas de trabalhos forçados.

A sua maioria 86%, ocorre no setor privado e aproximadamente uma em cada oito pessoas nesta situação de trabalho análogo à escravidão é uma criança, são cerca de 3,3 milhões.

Como a lei o define

De acordo com o Código Penal, no capítulo VI “Dos crimes contra a liberdade individual”, na seção I “Dos crimes contra a liberdade pessoal” em seu artigo 149, define condição análogo à escravidão como:

Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Também define em seu Artigo 149-A: Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV – adoção ilegal;

V – exploração sexual.

Além da descrição, cada artigo conta com a sua particularidade em cada modalidade em que o crime é cometido.
Trabalho análogo à escravidão no Brasil

Entre 1995 e 2022 o trabalho análogo à escravidão fez aproximadamente 60 mil vítimas no Brasil. Com aproximadamente 22,4% sendo identificadas no estado do Pará. Local que concentra vários garimpos ilegais.

Outros dados levantados foram:

83% se autodeclaram negros;

58% são nascidos na região Nordeste;

43% não completaram o ensino fundamental;

77,8% foram resgatadas em propriedade rural;

7% são analfabetos;

E somente em 2022 foram resgatadas 2575 pessoas em situações análogas à escravidão;

Nos primeiros três meses de 2023, 523 vítimas foram resgatadas.

Os dados levantados pela ONG “Escravo, nem pensar!” e pelo Portal de Inspeção do Trabalho, Ministério do Trabalho e Previdência” ajudaram a ter uma dimensão do que acontece no território brasileiro atualmente.

Como combater o trabalho análogo à escravidão

O trabalho análogo à escravidão no Brasil não tem o mesmo caminho de 500 anos atrás, de tratar o escravo como mercadoria dentro do seu posto de trabalho. Entretanto o objetivo econômico se mantém o mesmo: redução de gastos e aumento de lucros.

E por essa prática de exploração que viola a dignidade humana, juntamente protegido pela lei brasileira, o combate deve ser feito a partir da comunicação da informação. Sempre falar sobre o assunto e compartilhar a sua definição é o primeiro passo para educar e ajudar no combate.

E como participante da comunidade como um todo, ampliar cada vez mais o debate e, o mais importante, ajudar o trabalhador a saber que a pessoa tem os seus direitos e que ela, identificando traços de escravização no trabalho, para poder denunciar o seu empregador.

Os traços remanescentes desse período que perdura estão na nossa sociedade em todos os locais, estar atento é seguir os direitos e cobrar o dever de todos. A escravidão apresenta um problema estrutural e cultural que ainda acontece nos dias de hoje.

O elemento étnico escancara o preconceito desde quando um africano era tratado como mercadoria ou um indígena era esquecido como detentor de suas próprias terras. O escravo é o negro e o indígena, e o negro e o indígena se torna o escravo.

A distorção ideológica gera a crescente do preconceito. Por fim, a escravidão desenvolve ainda mais o racismo, que tende a separar as pessoas pela sua origem. (Com Politize)


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