Quem é o jornalista condenado no Brasil e que pede reparação fora do país?

Condenação de jornalista por crônica ficcional expõe desafios à liberdade de expressão no Brasil
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Voz da Terra
9 julho 2024
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Jornalista busca reparação jurídica na OEA e CIDH (Arquivo pessoal)

Redação Voz da Terra

O caso do jornalista sergipano Cristian Góes, condenado pela publicação de uma crônica, ganhou um novo capítulo em junho. O prazo para a entrega dos argumentos da defesa do jornalista à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), chegou ao fim.

Góes foi condenado a sete meses e 16 dias de prisão, convertidos em serviços comunitários, e ao pagamento de R$ 30 mil por danos morais ao magistrado Edson Ulisses, então vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE). A condenação ocorreu devido à crônica ficcional “Eu, coronel em mim”, publicada em maio de 2012 em um portal de notícias local.

No texto ficcional, não há menção a nomes, datas, lugares ou cargos públicos específicos. Mesmo assim, Edson Ulisses acusou Góes de injúria contra funcionário público. Na época, Edson era cunhado do governador do estado.

Raísa Cetra, Co-Diretora Executiva da ARTIGO 19, comentou que a expectativa é que, "depois de anos de injustiças, Cristian possa receber o reconhecimento internacional de que o Estado brasileiro violou sua liberdade de expressão. Ela destacou que a criminalização desse direito é um grande desafio no Brasil e que o caso de Cristian deve servir como um marco para o debate sobre crimes contra a honra e assédio judicial".

Em 2015, as organizações ARTIGO 19 e Intervozes protocolaram uma petição na CIDH, alegando que o processo criminal contra Góes violou o artigo 13 da Convenção Americana, que trata do direito à liberdade de expressão. O órgão admitiu formalmente o caso em 2023.

No Brasil, Góes recorreu da condenação e perdeu em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), que rejeitou os recursos em agosto de 2014. Segundo o jornalista, o valor da indenização chegou a R$ 60 mil com correção monetária.

Para cumprir a pena, Góes suspendeu o doutorado em comunicação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Hoje, ele ainda se dedica ao jornalismo pela agência independente Mangue Jornalismo.

As entidades peticionárias solicitaram que a CIDH determine a criação de um fundo para mídias independentes, com o objetivo de fortalecer o jornalismo e garantir a liberdade de expressão, especialmente na cobertura do Judiciário.

A ARTIGO 19 apontou que o assédio judicial cria um ambiente de medo, dificultando a cobertura jornalística crítica, principalmente quando o Judiciário é o perseguidor. Isso limita o acesso à justiça e enfraquece a democracia.

Cristian identificou no jornalismo independente uma forma de se refazer profissionalmente. A ARTIGO 19 argumenta que uma decisão favorável da CIDH pode fomentar o ecossistema de mídias independentes no Brasil e enviar uma mensagem clara ao Judiciário e à sociedade.

Entenda o caso

Em 2012, Cristian Góes publicou no portal Infonet uma crônica sobre um coronel da República Velha que não aceitava o direito à livre manifestação. No texto, Cristian mencionou um personagem chamado “jagunço das leis”. Edson Ulisses entendeu que o personagem se referia a ele e processou o jornalista por injúria, mesmo sem seu nome ser mencionado.

A denúncia foi recebida pelo Juizado Especial Criminal de Aracaju. O Tribunal afirmou que a crônica tinha “atores definidos e identificados”, apesar de não conter nomes reais. A magistrada responsável pelo julgamento foi afastada temporariamente em 2013, e o juiz substituto levou apenas três dias para concluir a sentença.

Repercussão

Diversas organizações da sociedade civil têm se manifestado em defesa de Góes.

O caso foi tema de audiência pública na Câmara dos Deputados, constou em um dossiê entregue à relatoria de Liberdade de Expressão da ONU e foi mencionado no relatório da organização Repórter sem Fronteiras, que classificou a acusação como “um desvio judicial e um insulto aos princípios fundamentais da Constituição de 1988”.

Contudo, o processo contra Cristian Góes ainda é pouco conhecido pela opinião pública brasileira.



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