Quem são os responsáveis pela crise ambiental e o que podemos fazer pela natureza?

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Voz da Terra
26 setembro 2024
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Brigadistas atravessam fogo na floresta (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Redação Voz da Terra

Que climinha de fim de mundo, não é mesmo? Diariamente nas redes perguntam “o que podemos fazer?”, “quem são os responsáveis?” e, para sanar tais angústias, trouxemos respostas. A boa notícia: há o que fazer, não é preciso inventar a roda, e as soluções podem ser colocadas em prática imediatamente.

Vamos começar do básico: o que se vê em boa parte do Brasil é uma mistura de ação humana pontual (queimadas e fumaça) e ação humana contínua (desmatamento e degradação ambiental e crise climática, que gera aumento de secas prolongadas e ondas de calor).

Os responsáveis são inúmeros: desde o vereador da sua cidade que nega que o clima está mudando, passando pelo latifundiário que põe fogo para desmatar com mais rapidez e a preço mais baixo, e chegando ao deputado que vota no enfraquecimento da legislação ambiental e ao presidente que não fortalece os principais órgãos de controle e fiscalização ambiental.

Fumaça e queimadas:

Neste momento, o Brasil tem cerca de 60% de seu território coberto por fumaça das queimadas. A fuligem proveniente das queimadas e dos incêndios chegou até mesmo às capitais da Argentina e do Uruguai. A origem é diversa, informa o g1: interior de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul e, com mais intensidade, região sul da Amazônia, que inclui os estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso.

A Polícia Federal (PF) abriu 33 inquéritos sobre incêndios no país e apura ação coordenada em São Paulo, conta o InfoMoney. A PF constatou, com base em imagens de satélite, que ocorreram uma série de focos de calor em diversos pontos do território paulista, em horários muito próximos, no que já vem sendo chamado de “Novo Dia do Fogo”.

Ainda no estado de São Paulo, 15 pessoas foram presas por suspeita de provocar incêndios – O g1 lista cada um dos casos. As justificativas dadas pelos suspeitos às autoridades vão de acidentes com bitucas de cigarro jogadas na vegetação sem intenção de causar dano ao meio ambiente, hábito de colocar fogo em lixo até confissões dos crimes. Alguns deles negaram participação nos incêndios.

N’O Globo, a pesquisadora do INPE, Luciana Gatti, afirma que “o governo deveria decretar estado de emergência climática”. Luciana alerta que a seca não é a principal culpada pela alta de queimadas, mas sim a ação criminosa em campo.

Segundo a especialista, a situação só irá se reverter com um modelo econômico mais sustentável, sem a predação ambiental do agronegócio. De 2019 a 2022, a Floresta Amazônica perdeu 50 mil km². Apesar de o governo atual diminuir o desmatamento em 40%, essa perda não foi recuperada. “Demora muitas décadas para a floresta voltar. Agora está cada vez mais seco, quente e o fogo cada vez mais incontrolável”, explica.

Segundo Luciana, a porção leste da Amazônia está num nível de degradação que afeta bastante o regime de chuvas do Brasil.

Em 2021, já alertamos sobre a situação. Em 2023, Luciana havia proposto “determinar um estado de emergência na Amazônia: é proibido desmatar e multa alta pra quem taca fogo de julho a outubro”.

Metade da chuva vem da própria evapotranspiração da floresta. Se diminui a vegetação, diminui a chuva. Não foi só o fenômeno El Niño e a anormalidade de temperatura do Oceano Atlântico que causaram a seca, mas o desmatamento acumulado também, tornando a floresta mais inflamável. E os criminosos aproveitam.

Cada região precisa ser avaliada de acordo com seu histórico e necessidade, por isso a importância da integração de diversos órgãos para a contenção dos danos socioambientais. Como destaca o MapBiomas, no início de 2024 houve uma concentração significativa de incêndios nas áreas de vegetação campestre de Roraima – o estado, diferentemente do restante do bioma amazônico, costuma vivenciar secas nos primeiros meses do ano.

Em junho, o fogo se concentrou mais no Cerrado e no Pantanal, regiões que enfrentam antecipadamente sua temporada de chamas devido à redução das chuvas e ao aumento das temperaturas.

“O fortalecimento de medidas de comando e controle precisa continuar, os órgãos de fiscalização, bem como os povos originários que preservam a floresta, precisam ser valorizados e apoiados”, reforça Luciana.

Seca e onda de calor:

Uma das maiores especialistas em fogo do país, a diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, afirma que essa é a primeira vez que temos um cenário de seca forte em vários biomas brasileiros ao mesmo tempo. O Fantástico aponta que essa é a maior seca da história do Brasil e que ela tem afetado 1.400 cidades no país – um quarto de todas as cidades brasileiras. Esse é um resultado direto das mudanças climáticas.

O mundo registrou, em 2024, o mês de agosto mais quente da história. E, dos últimos 14 meses, 13 registraram temperatura média 1,5 ºC mais quente do que o período antes da era industrial.

“Isso faz todos os eventos extremos explodirem. As ondas de calor, as secas, as chuvas superintensivas e, até mesmo globalmente, recordes de incêndios florestais”, diz o climatologista Carlos Nobre.

No contexto brasileiro, o desmatamento é o principal impulsionador das emissões de gases do efeito estufa (GEEs). Mas a atividade das empresas de petróleo e gás fóssil também tem se destacado, seguindo o mau exemplo de outros países.

No mundo, as petroleiras representam um terço das emissões que colaboram para a crise climátical. Na COP28, em Dubai, 198 países assinaram o acordo de “transição em direção ao fim dos combustíveis fósseis”, que determina que os países mudem seus sistemas energéticos “de forma justa, ordenada e equitativa”.

Porém, o Brasil tem ignorado esse compromisso assumido com a ONU e conosco. A Petrobras e vários integrantes do governo com uma visão desenvolvimentista do século passado insistem em pressionar o IBAMA para liberar a perfuração de um poço na foz do Amazonas, uma área extremamente sensível ambiental e socialmente. E a nova presidente da estatal, Magda Chambriard, junto do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, estão longe de buscar transformar a empresa em uma empresa de energia renovável.

Para conter a crise climática, o petróleo na foz do Amazonas não pode ser explorado. E mais: especialistas do setor de energia já afirmam que o mundo não precisa explorar mais petróleo, enquanto países investem na transição energética justa para cumprir suas Contribuição Nacionalmente Determinada (NDCs).

Recentemente, o Observatório do Clima (OC) lançou a atualização de suas propostas para a NDC brasileira. O documento comprova que sim, é possível conter o desmatamento e promover a transição energética justa nos solos brasileiros.

“Todas as medidas sugeridas na NDC do OC são factíveis, escaláveis e baseadas em tecnologias existentes. Com efeito, as medidas mais ousadas sugeridas – zerar o desmatamento e recuperar 21 milhões de hectares de florestas – são, respectivamente, um compromisso já adotado pelo país e o mero cumprimento de uma lei, o Código Florestal”, destaca o documento.

O que fazer?

As ondas de calor e os eventos climáticos extremos só vão parar se medidas em nível político e estrutural forem tomadas. Por isso, é necessário que, na esfera individual, você pense no seu poder de cidadão e cobre.

Exija dos políticos nas redes sociais, nos comícios, em cartas assinadas colaborativamente, como o movimento “O futuro é nosso” e o Plano Clima Participativo, que cumpram seu dever de proteção ambiental e social. Há muito o que se fazer, estratégias já desenhadas, planos em ação que podem ser fortalecidos, como:

Endurecer a legislação. Quem diz isso é Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA. Veja, por exemplo, as investigações sobre o “Dia do Fogo”: após cinco anos, elas foram arquivadas e ninguém foi responsabilizado.

Aumentar penas: hoje, em casos de incêndio, a legislação prevê penas de dois a quatro anos de reclusão. Penas assim permitem o que chamamos de transação penal, em que a pessoa troca a cadeia por cestas básicas. E isso vale para um incêndio de alguns metros quadrados ou para 100 mil hectares de floresta – uma área quase do tamanho da cidade do Rio de Janeiro -, destaca Agostinho.

Cobrar os governos do seu estado para fortalecer o corpo de bombeiros – esse arcabouço fica sob o comando do estado, não do governo federal.

Cortar crédito rural às propriedades que desmatam ilegalmente.

Aplicar nacionalmente a Lei do Manejo Integrado do Fogo.

Aumentar transparência e rastreabilidade na cadeia produtiva da carne, em especial a bovina.

Homologar Territórios indígenas e Quilombolas.

Arquivar projetos que geram impactos severos na sociobiodiversidade, como o asfaltamento da BR-319 e a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

Exigir do Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão imediata da lei do marco temporal para Terras Indígenas, que a própria corte já declarou ser inconstitucional, mas que deputados e senadores insistem em defender.

Proteger os defensores ambientais – Brasil foi o 2º país que mais matou ativistas ambientais em 2023.

Investir em ações para mitigar o sofrimento das populações vulneráveis, como ribeirinhos isolados pela seca na Amazônia. Exemplos dados pelo pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Ayan Fleischmann, vão de investimentos no abastecimento de água e tratamento de resíduos orgânicos a distribuição de kits emergenciais de tratamento de água. (Clima Info)


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