As queimadas aumentaram a concentração de fumaça em várias regiões da Amazônia em 2024. Em Rondônia, as comunidades quilombolas Pedras Negras, Santa Fé, Forte Príncipe da Beira, Jesus, Vale do Guaporé, Laranjeiras e Santo Antônio do Guaporé registraram níveis de poluição por material particulado fino (PM2.5) até 193% do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A concentração de poluentes nessas regiões foi a mais alta entre julho e dezembro de 2024 entre os territórios quilombolas, revela análise exclusiva da InfoAmazonia.
O pior índice foi registrado na comunidade Pedras Negras, no município de São Francisco do Guaporé, a 762 km da capital Porto Velho. A OMS estabelece que a concentração de PM2.5, um dos principais poluentes da fumaça, não deve ultrapassar 15 microgramas por metro cúbico (µg/m³). Mas, em Pedras Pretas, a poluição por fumaça alcançou a média de 44 µg/m³, 193% acima.
Para descobrir quais foram os territórios na Amazônia com maior concentração de fumaça no segundo semestre do ano passado, a InfoAmazonia coletou dados do Copernicus (CAMS), do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas (ECMWF). Depois, identificou as localidades quilombolas mais impactadas por meio de informações regionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). — leia a metodologia da análise aqui.
Nas comunidades quilombolas de Rondônia, os níveis elevados de poluição se mantiveram ao longo de julho a outubro. A presença contínua da fumaça comprometeu a qualidade do ar e impactou a vida nos territórios que dependem do meio ambiente para a agricultura, pesca e outras atividades de subsistência econômica.
Esta é a terceira reportagem da série “Invisíveis da Fumaça”, uma parceria entre a InfoAmazonia e o Voz da Terra. A análise exclusiva investigou a poluição do ar atribuível às queimadas históricas, que ocorreram entre julho e dezembro de 2024.
Pedras Negras engolindo fumaça
A reportagem visitou a comunidade quilombola Pedras Negras, que fica no município de São Francisco do Guaporé, 132 km distante da área urbana da cidade.
Às margens do rio Guaporé, o acesso à região só é possível por uma viagem de 5 horas de barco ou 4 horas de avião, saindo de Porto Velho. Um lugar distante, isolado na floresta amazônica, com ausência de políticas públicas, mas que guarda modos de vida tradicionais. Foi lá, o pior registro de concentração de fumaça da temporada.
Para chegar a Pedras Negras, é necessário passar pela sede urbana de São Francisco do Guaporé, a 762 km de Porto Velho. O município tem 16.286 habitantes, segundo o Censo de 2022 do IBGE.
A economia local é impulsionada pelo agronegócio, com a pecuária como destaque. Na entrada da cidade, um monumento de bovinos empalhados simboliza a atividade. No entanto, em Pedras Negras, o cenário é diferente: a vida local é movida pelo turismo de pesca e extrativismo de castanha.
Quilombo de Pedras Negras fica na margem do rio Guaporé, no interior de Rondônia. (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
De acordo com os governos estadual e federal, Pedras Negras é um dos oito quilombos presentes em Rondônia, onde moram mais de 30 famílias, cerca de 102 pessoas. Em 20 anos, os grupos familiares diminuíram 42% porque a região ainda está em processo de regularização fundiária, o que impacta no acesso a benefícios sociais e emprego. Muitas famílias contam que 2024 foi um dos piores anos em relação ao fogo.
A comunidade de Pedras Negras tem uma única escola, a Euclides da Cunha, mantida pelo estado e pela prefeitura de São Francisco do Guaporé. Há 22 alunos matriculados no ensino presencial para crianças e remoto para jovens e adultos. A energia elétrica, fornecida por uma concessionária privada, sofre interrupções frequentes. Não há operadoras de telefonia, e a internet é via satélite.
O único posto de saúde tem estrutura precária e enfrenta falta de medicamentos básicos. Grávidas precisam viajar cinco horas de barco até a sede urbana de São Francisco do Guaporé para dar à luz. A pesca esportiva movimenta a economia local e atrai turistas entre abril e novembro, quando pousadas lotam. Mas, na temporada da fumaça, tudo ficou vazio.
Além disso, a coleta da castanha, uma das principais atividades econômicas da população local, também foi comprometida. O fogo destruiu castanhais. A alta concentração de fumaça impactou no turismo de pesca esportiva e na saúde da população local.
Valdemarina Faustina, de 56 anos, é agente comunitária de saúde há 25 anos e atualmente é responsável pelo único posto da região. A casa dela está ao lado da unidade. Ela conta que, no período das queimadas, muitas famílias adoeceram, mas tratavam as complicações em casa.
Agente comunitária Valdemarina Faustina, 56, responsável pelo único posto de saúde do quilombo Pedras Negras. (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
“Quem tem bronquite sofreu muito. Ficaram com falta de ar e precisaram de socorro. Os olhos de algumas pessoas ardiam. Eu recomendava que usassem óculos para proteção, mas muitos não usavam”. No período de estiagem, governo e prefeitura mantiveram os atendimentos de saúde com um médico, dois enfermeiros e um profissional de vacinação, que normalmente visita o território uma vez por mês.
A comerciante Erineide Rodrigues, professora e dona de uma pousada, conta que agosto e setembro foram os meses mais difíceis e que o fogo ficou a poucos metros dos quartos construídos para abrigar os hóspedes.
“Os aviões (com turistas) não baixavam por causa da fumaça e das queimadas. Aqui tivemos um prejuízo de mais de R$ 232 mil. Muita bebida venceu, os turistas não vieram, os trabalhadores ficaram sem emprego”, lembra.
A pousada de Erineide gera cerca de 15 empregos diretos, incluindo pilotos de barco, cozinheiros e equipe de limpeza que atendem os turistas que chegam para pesca esportiva. "Quando vi o fogo, pensei que incendiaria tudo. Se você viesse aqui no ano passado, ficaria encantado. Agora, está tudo destruído", lembra.
Pedagoga Luzia Santiago de França lembra que período de intensa fumaça em Pedras Negras o turismo local foi impactado porque os turistas não conseguiam chegar. (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
“A fumaça não deixava ver nada”, conta a pedagoga Luzia Santiago de França. Ela lembra que a temporada de queimadas deixou a comunidade “ilhada na fumaça”. “Nunca tinha visto nada igual. Chegou um momento em que os barcos passavam pelo rio e a gente só ouvia o barulho”.
Luiza, que já tinha diagnóstico de asma e rinite, precisou de inalador para respirar. "A gente está no meio do problema e nem percebe a gravidade”, avalia, depois de tudo que passou.
A família da pedagoga mantém uma pousada e trabalha na coleta de castanhas em Pedra Negras. Mas, no intenso período de fumaça, os turistas não conseguiram chegar à região.
"Fizemos uma compra grande para atender os turistas, mas eles não conseguiram chegar. Tudo ficou parado. Bebidas, comida, gasolina, tudo foi perdido". O prejuízo estimado, segundo ela, supera R$ 100 mil.
Fumaça encobriu luz do dia
O morador de Pedras Negras Marcos Luiz, de 34 anos, aprendeu a pilotar barcos com o pai aos 10, por conta do trabalho com os turistas de pesca. Hoje, a atividade é a principal renda dele, que conhece as curvas do rio Guaporé como ninguém. É capaz de navegar de noite, guiado apenas pela luz da lua ou das estrelas. O que ele não imaginava é que um dia também se sentiria no escuro, mesmo com sol quente. A fumaça encobriu tudo.
Barqueiro Marcos Luiz, 34, conta que na época da fumaça era difícil navegar no rio Guaporé, no quilombo Pedras Negras: 'não dava para ver ninguém', conta. (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
"A gente viajava só até as 6 horas da tarde. Depois, não dava mais para navegar. Era perigoso demais. A fumaça era tanta que a lanterna não iluminava nada. Só se ouvia o barulho dos motores. Durante o dia, tu olhava para frente e só via fumaça. Tudo branco. Não dava para ver ninguém”, conta.
Mesmo assim, Marcos e outros barqueiros precisavam continuar suas viagens. "A gente tinha que ir porque era o nosso trabalho. Os turistas queriam pescar, então a gente os levava".
Em um único mês, ele chegou a fazer mais de 20 viagens, mas, a falta de visibilidade tornava a navegação um risco constante. "Só dava para enxergar outro barco quando estava bem perto. De longe, nada. Só o som do motor".
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Visibilidade no rio Guaporé, no quilombo Pedras Negras, na temporada da fumaça no segundo semestre de 2024. (Foto: Julinha Lopes de Souza/Acervo pessoal) |
No período de intensa fumaça, Julinha Lopes, coordenadora da Pastoral da Criança, fez missões em várias comunidades ribeirinhas de São Francisco do Guaporé, incluindo o quilombo Pedras Negras.
“Durante as missões ribeirinhas, sentimos muitas dificuldades ao respirar, os olhos arderam muito por conta da grande quantidade de fumaça presente na região”.
A coordenadora descreveu os impactos diretos na sua própria rotina e na de sua família, como evitar sair de casa e aumentar a ingestão de água.
“Também receberam muita reclamação das mães de crianças com coriza, com os olhinhos avermelhados, e as famílias com sensação de estarem muito gripadas, aquele cansaço. Nunca tinha visto um caso assim. Em toda a nossa diocese, por onde se andava, era essa situação de fumaça. Ficou até um pouco amedrontador, teve dias que a gente ficou ansioso com a situação de tanta fumaça”, descreve a missionária.
A enfermeira Maria José, que é secretária municipal de Saúde de São Francisco, disse que, em 2025, a prefeitura deve investir mais na região. “Nosso foco será ampliar contratações e garantir suporte para toda a população construindo mais unidades de saúde. Vamos trabalhar com educação preventiva nas escolas e para toda sociedade”.
Castanhais queimados
O castanhal da região produzia ao menos 600 toneladas entre janeiro e março, mas, em 2025, os moradores estão sem essa alternativa porque tudo foi consumido pelas queimadas do ano passado.
No início do ano, a comunidade deveria estar no processo de coleta dos ouriços das castanhas, mas enfrenta os impactos de tudo que se perdeu com o fogo.
Associação Quilombola de Pedras Negras, Francisco Edvaldo, conta que queimadas destruíram os pés de castanha na região (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
"Fogo destruiu tudo e conseguimos apenas seis sacas (em 2025). Cada castanheiro costumava produzir 30 sacas de 75 quilos cada. Com o quilo da castanha a R$ 450 (cotação dos compradores), o prejuízo foi incalculável", conta o presidente da Associação Quilombola de Pedras Negras, Francisco Edvaldo.
Ele conta que o fogo “cruzou o rio e devastou tudo”. Em 2025, ele espera que o poder público adote alguma medida preventiva. Enquanto isso, a comunidade se mantém firme. "Nós sempre resistimos e vamos continuar. Mas precisamos de apoio real para reconstruir o que foi perdido. Eu sou negro, sou quilombola e moro em Pedras Negras. Nosso povo sofreu muito e continua lutando".
Cleildo da Cruz Leite na sala onde cartaz sinaliza a orientação 'Não faça queimadas' no quilombo Pedras Negras. (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
Outro morador, Cleildo da Cruz Leite, 34 anos, sempre viveu do extrativismo da castanha. O ano passado, no entanto, trouxe um dos maiores desafios de sua vida: "O fogo veio e não deu nada", lamenta ele, que perdeu ao menos 50 pés de castanha para o fogo.
Em anos sem incêndios como os de 2024, ele coletava entre 25 e 30 sacas de castanha, o que lhe garantia uma renda de aproximadamente R$ 12 mil por safra.
"Muitas castanheiras caíram. O fogo queimou tudo por baixo, pegou nas árvores ocas e derrubou", lamenta Leite.
Castanheira no quilombo Pedras Negras, um dos modos de subsistência da comunidade local. (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
Os desafios do futuro
Moradores que conversaram com a reportagem relataram que o fogo, além de propagar a fumaça e queimar os pés de castanha, também destruiu o urucum e plantações da agricultura familiar.
Por mais de um mês, durante a noite, um clarão vermelho era visto no alto da copa das árvores, bem distante. Os moradores sabiam que o fogo era dentro da floresta, mas ninguém tinha ideia de onde estava exatamente, nem imaginava que a queimada chegaria tão perto.
Um grupo de 30 brigadistas do Corpo de Bombeiros chegou na região somente no fim de setembro, quando boa parte da vegetação já havia sido destruída. Por conta da fumaça densa, helicópteros e aviões enfrentaram muitas dificuldades para conter as chamas. Era difícil até para os pilotos tirarem água do rio Guaporé seco para levar até onde havia queimadas, contam os moradores.
O patriarca Apolônio de França Neto, de 52 anos, ex-presidente da Associação Quilombola de Pedras Negras, conhece como poucos a história da comunidade. O lider comunitário não sabe precisar a data, mas lembra dos relatos familiares que os bisavós dele chegaram à região fugindo da escravidão. Encontraram um lugar livre para plantar e colher.
Seu Apolônio afirma que os primeiros moradores descendentes de escravos fugiram de Vila Bela, que era no Mato Grosso, e resistiram por séculos em Pedras Negras.
"Perdi 5 mil pés de urucum no fogo. A seca já vinha sendo prejudicado e, agora, ficou pior", lamenta. Em 2022, a produção chegou a 4 mil quilos, mas, em 2023, caiu para 1,5 mil. Em 2024, ano em que recuperaria a safra frustrada do ano anterior, nada restou. "Foi tudo destruído", diz. Seu Apolônio também perdeu toda a plantação de castanha. "O governo criou a reserva extrativista, mas nos abandonou. A gente cuida da terra, mas não recebe nada em troca", critica.
As mudanças do clima preocupam o trabalhador para os próximos anos. "Se vier outra seca como essa, a gente não sabe o que fazer". O patriarca diz que, em 2025, está plantando urucum novamente e pretende fazer um sistema de irrigação com poços artesianos, uma alternativa caso ocorra outra tragédia ambiental. “Temos que nos preparar antes que tudo aconteça de novo".
Como surgiu o quilombo Pedras Negras
O território de Pedras Negras tem 43.911 hectares e foi certificado em 2005 como um lugar de resistência do povo negro contra a escravidão pela Fundação Cultural Palmares (FCP), órgão do governo federal.
Desde então, os moradores esperam do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) o título de regularização fundiária coletiva, que é um documento que reconhece os territórios e os direitos das comunidades quilombolas.
A emissão deve assegurar valorização dos imóveis, segurança jurídica e acesso a serviços públicos, como crédito de instituições bancárias.
Ambulancha (lancha equipada como ambulância) usada para resgates e atendimentos médicos no quilombo Pedras Negras. (Foto: Francisco Costa/Voz) |
A história do surgimento de quilombos em Rondônia, como o Pedras Negras, se iniciou ainda no século XVIII. Entre 1751 e 1772, mais de seis mil negros escravizados foram levados para o Vale do Guaporé, no centro-oeste e sudeste do estado, por meio de duas principais rotas: pelo rio Madeira e via rotas terrestres do Sul.
Os homens eram forçados a trabalhar principalmente na mineração de ouro, atividade econômica que se expandia na região naquela época. Diante das condições extremas de exploração e violência, muitos fugiram e buscaram refúgio na floresta, formando quilombos em áreas de difícil acesso.
Essas comunidades resistiram à repressão colonial e deram origem a importantes territórios quilombolas que até hoje preservam tradições culturais e históricas da população afrodescendente na região.
Para 2025, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê mudanças climáticas como esfriamento do mar, que deve trazer mais seca em alguns lugares e mais chuva em outros. As alterações no tempo preocupam o barqueiro Marcos. "Se for pior que no ano passado, a gente não sabe como vai fazer. Já foi difícil demais".
Território do agronegócio
Monumento em referência à pecuária na entrada do município de São Francisco do Guaporé. (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
“A fumaça não deixava ver nada”, conta a pedagoga Luzia Santiago de França. Ela lembra que a temporada de queimadas deixou a comunidade “ilhada na fumaça”. “Nunca tinha visto nada igual. Chegou um momento em que os barcos passavam pelo rio e a gente só ouvia o barulho”.
Luiza, que já tinha diagnóstico de asma e rinite, precisou de inalador para respirar. "A gente está no meio do problema e nem percebe a gravidade”, avalia, depois de tudo que passou.
A família da pedagoga mantém uma pousada e trabalha na coleta de castanhas em Pedra Negras. Mas, no intenso período de fumaça, os turistas não conseguiram chegar à região.
"Fizemos uma compra grande para atender os turistas, mas eles não conseguiram chegar. Tudo ficou parado. Bebidas, comida, gasolina, tudo foi perdido". O prejuízo estimado, segundo ela, supera R$ 100 mil.
Fumaça encobriu luz do dia
O morador de Pedras Negras Marcos Luiz, de 34 anos, aprendeu a pilotar barcos com o pai aos 10, por conta do trabalho com os turistas de pesca. Hoje, a atividade é a principal renda dele, que conhece as curvas do rio Guaporé como ninguém. É capaz de navegar de noite, guiado apenas pela luz da lua ou das estrelas. O que ele não imaginava é que um dia também se sentiria no escuro, mesmo com sol quente. A fumaça encobriu tudo.
Saindo da capital de carro, são ao menos 11 horas de viagem para chegar a São Francisco de Guaporé percorrendo dez cidades pelas duas maiores rodovias de Rondônia: BR-364 e BR-429. Celeiro da pecuária, nos arredores da sede do município, áreas de floresta deram lugar a pastagens e lavouras de soja, milho e café. Na avenida central, lojas de maquinários agrícolas ocupam as laterais da via principal, atendendo a demanda do agronegócio.
Um levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a partir dos dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicou que São Francisco do Guaporé, Porto Velho e Costa Marques fazem parte das três cidades do estado que mais desmataram entre 2020 e 2021, totalizando cerca de 4 mil km² de florestas.
Além dos impactos da atividade agrícola no meio ambiente, o município também enfrenta outros problemas sociais. Das 52 cidades rondonienses, 21 possuem menos de 1% de esgotamento ligado à rede geral. Esse é o caso de São Francisco do Guaporé, onde 90% dos moradores usam fossa simples para despejar o esgoto, segundo o IBGE.
Os dados do IBGE também mostram que apenas 9,58% da população tem acesso à água tratada em São Francisco do Guaporé, número muito inferior à média de Rondônia (55,95%) e do Brasil (84,24%). Isso significa que cerca de 14.726 pessoas vivem sem água potável em casa. Além disso, 12,7% das residências estão em áreas de risco para enchentes, e nos últimos cinco anos houve duas inundações registradas.
O município fica no Vale do Guaporé, uma região onde estão mais de 205.971 habitantes divididos em 13 cidades. O Vale tem um tamanho territorial (31.225,2 km²) semelhante ao estado da Paraíba ou à Croácia, mas sua população é pequena, comparável a cidades médias do país.
A bacia hidrográfica do Guaporé separa o Brasil (margem esquerda) da Bolívia (margem direita). Atravessa áreas de transição entre o Cerrado, Pantanal e a Amazônia. São 1.749 quilômetros de extensão da nascente na Chapada dos Parecis, no Mato Grosso, passando por Rondônia até o Amazonas, ocupando um total de 266.460 km².
Comunidade do lado boliviano do rio Guaporé, que divide o Brasil do país vizinho. (Foto: Francisco Costa/Voz da Terra) |
O Vale também é conhecido por seu patrimônio histórico que remonta ao século XVII, uma diversidade cultural e um santuário natural com muitos rios, lagos, florestas inundadas (conhecidas como pântanos da Amazônia), animais, aves e mais de cinco mil búfalos selvagens que ocupam 12% da Reserva Biológica do Guaporé.
No início de fevereiro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou aos governos controle e erradicação da manada, alegando que causavam riscos ambientais, econômicos e sanitários. Em 2030, serão 50 mil animais em quase metade da reserva.
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Esta reportagem é uma parceria com o Voz da Terra e faz parte da Rede Cidadã InfoAmazonia, iniciativa para criar e distribuir conteúdos socioambientais da Amazônia.
Foi produzida na Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com apoio do Instituto Serrapilheira.
Coordenação do projeto: Helena Bertho
Produção, pesquisa e edição: Valéria Oliveira, Carolina Dantas.
Ilustração da reportagem: Utópika Estúdio
* Josi Gonçalves é cofundadora do Voz da Terra. Ela é jornalista com trabalhos publicados para emissoras de TV (Globo, Record, Rede TV), agências de notícias (BBC, UOL, EFE, Amazônia Real).
Josi é uma defensora dos direitos humanos e da saúde mental, com foco em questões como o autismo e a esquizofrenia.
Além de sua carreira no jornalismo, ela é ativista, feminista e mãe. Sua ascendência remonta a imigrantes da região Nordeste do país, com raízes em uma família que vivenciou o trabalho escravo moderno.
Josi também possui ampla experiência em assessoria de imprensa e consultoria em comunicação, atendendo tanto ao setor público quanto ao privado, incluindo jornais impressos e digitais.
Possui reportagens investigativas especiais publicadas em vários meios de comunicação sobre direitos humanos, povos tradicionais, cultura e história.
* Francisco Costa é videojornalista desde 1996. Produziu reportagens para agências de notícias nacionais e internacionais.
Possui trabalhos assinados para Folha de São Paulo, UOL, Terra, EFE, AFP, Amazônia Real, InfoAmazônia, Reuters; TVs: Globo, Rede TV, Cultura, Band.
Possui atuação em comunicação como consultor, analista e assessor de imprensa nos setores públicos e privados.
É cofundador do Voz da Terra. Nativo da Amazônia. É jornalista investigativo, suas reportagens abordam temas como meio ambiente, direitos humanos, transparência, poder, entre outros.