A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Rondônia, conhecida como "CPI das Reservas", aprovou no dia 20 de março o relatório final que aponta graves irregularidades na criação de 11 unidades de conservação no estado.
Após dois anos de trabalho, a comissão concluiu que todos os decretos de criação das reservas, publicados em 20 de março de 2018, contém vícios insanáveis que justificariam sua anulação.
Presidida pelo deputado Alex Redano (Republicanos) e relatada pelo deputado Pedro Fernandes (PRD), a CPI contou com a participação dos deputados Jean Oliveira (MDB), Cirone Deiró (União Brasil), Delegado Lucas (PP) e Drª Taíssa (Podemos).
A comissão foi criada em abril de 2023 após denúncias recebidas pelo gabinete do deputado Alex Redano, apresentadas pela Associação de Moradores da área Soldado da Borracha.
Durante a reunião extraordinária, o relator Pedro Fernandes destacou os principais pontos do relatório, que concluiu que "praticamente todos os onze processos padecem de vícios que atraem para si nulidades insanáveis".
As Unidades de Conservação estão permanente sendo invadidas por madeireiros, pecuaristas e garimpeiros. Todos interessados em usar áreas ambientais protegidas do estado para extração de madeira ilegal, ampliar pasto para rebanho bovino, ou plantar soja e até extrair ouro.
Os governos não possuem estrutura necessária para ampliar as atividades de fiscalização e proteção. Ao mesmo tempo, os investimentos também são escassos.
Entre as irregularidades apontadas estão:
Publicação dos decretos sem assinatura do então governador Confúcio Moura, que só foram assinados dias depois e não republicados;
Estudos técnicos apócrifos (sem assinatura) e genéricos, sem individualização para cada área;
Pareceres fraudulentos, com assinaturas de pessoas que negaram ter realizado os estudos;
Profissionais sem registro no CREA e sem Anotação de Responsabilidade Técnica (ART);
Ausência de audiências e consultas públicas obrigatórias.
O deputado Delegado Lucas ressaltou que, apesar de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs) já terem tramitado sobre o tema, nenhuma delas analisou efetivamente a legalidade dos decretos de criação das reservas.
"Em nenhum momento houve essa discussão. Em três oportunidades foram ajuizadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, mas nenhuma delas atacava os decretos de criação", explicou.
A deputada Drª Taíssa, que representa a região de Guajará-Mirim, Nova Mamoré e Ponta do Abunã, áreas diretamente afetadas pelas reservas, destacou a importância do trabalho realizado: "Foram dois anos de muito trabalho e muitas vezes a gente aqui até sendo desacreditado. Esse processo que está aqui, que foi instrumentalizado, é de suma importância para que possamos discutir isso na Justiça e, se Deus quiser, dar a liberdade às pessoas de bem do nosso Estado".
A CPI também investigaria contratos de crédito de carbono firmados com as empresas Permiam Brasil Serviços Ambientais LTDA e Biofílica Investimentos Ambientais S.A., mas o relatório esclarece que a comissão não se aprofundou nesse tema. Ainda assim, segundo o relator, a CPI "promoveu o cancelamento desses contratos" e fará recomendações para que sejam cancelados os contratos ainda existentes.
O relatório aprovado será encaminhado ao plenário da Assembleia Legislativa para deliberação final e, posteriormente, aos órgãos de controle, incluindo o Ministério Público, para que sejam tomadas as providências cabíveis. A expectativa dos parlamentares é que o Judiciário declare a nulidade dos decretos de criação das reservas.
A reunião contou com a presença de representantes de associações de produtores rurais e moradores das áreas afetadas, incluindo Jorge Ferreira dos Santos, Vice-Presidente da Associação dos Produtores Rurais da Ponta do Abunã, Setor Castanha; Valdir Fernandes da Silva, Presidente da Associação Soldado da Borracha da Linha Ponto Oito; e Francisco, Presidente da Associação Soldado da Borracha.
O advogado João Francisco dos Santos (Doca), que assessorou a comissão, destacou que algumas das áreas afetadas têm moradores com 20 a 30 anos de ocupação e que muitos não necessitam suprimir a floresta para sobreviver. "As pessoas estão lá e muitas delas não necessitam necessariamente de suprimir a floresta para sobreviver, um espaço pouco para uma cultura. E hoje o manejo florestal é um instrumento rentoso e de preservação", afirmou.
Com a aprovação do relatório, encerra-se uma etapa importante na luta dos produtores rurais e moradores das áreas transformadas em unidades de conservação. O próximo passo será o julgamento pelo Poder Judiciário, que decidirá sobre a validade dos decretos questionados.
Decisão da justiça
Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia declarou ilegal em 2021, os decretos que extinguiram 11 unidades de conservação do estado. Os juízes e desembargadores acolheram, em maioria, o entendimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a lei nº 4.228, de 2017, e outros onze decretos legislativos que estabeleciam as extinções.
Existe uma outra lei promulgada pelos deputados que repete a extinção dessas UCs, e contra a qual também há uma ação de inconstitucionalidade.
O caso começou com a lei nº 4.228, aprovada pela Assembleia de Legislativa de Rondônia, que instituía que a criação de reservas florestais no estado deveria ser feita, através de lei “devidamente deliberada pela assembleia”.
A norma obrigava que qualquer criação de nova UC em Rondônia precisasse passar pelo legislativo e não pudesse ser feita pelo Executivo, de forma independente, como ocorre em outros estados e no âmbito federal, e conforme prevê a própria lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Na época, foi apontado que os deputados teriam corrido com a aprovação desta lei ordinária, que ocorreu no dia 21 de dezembro de 2017, devido aos rumores de que o então governador de Rondônia, Confúcio Moura, estava prestes a criar novas UCs no estado.
Unidades em questão:
Área de Proteção Ambiental do Rio Pardo, no município de Porto Velho, com 113.850 hectares;
Floresta Estadual do Rio Pardo, no município de Porto Velho, com 30.815 hectares;
Estação Ecológica Umirizal, no município de Porto Velho, com 59.897 hectares;
Reserva de Fauna Pau D’Óleo, no município de São Francisco do Guaporé, com 10.463 hectares;
Parque Estadual Abaitará, no município de Pimenta Bueno, com 152 hectares;
Parque Estadual Ilha das Flores, no município de Alta Floresta D’Oeste, com 89.617 hectares;
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Machado, no município de Porto Velho, com 9.205 hectares;
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro, no município de São Francisco do Guaporé, com 18.837 hectares;
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Serra Grande, no município de Costa Marques, com 23.180 hectares;
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim, no município de Porto Velho, com 1.678 hectares;
Estação Ecológica Soldado da Borracha, nos municípios de Porto Velho e Cujubim, com 178.948 mil hectares.